O amanhã começa hoje
Você tem o hábito de planejar seu futuro? Pensa em como ter uma vida sempre boa? Costuma guardar um valor fixo por mês para usufruir quando ficar mais velho? Se a resposta às três perguntas foi sim, meus parabéns: você é um dos poucos a fazer isso aqui no Brasil, onde as pessoas até poupam para comprar um carrão dos sonhos, mas dificilmente economizam para a cada vez mais longa terceira idade.
Um estudo recente elaborado pela Universidade de Oxford e encomendado pelo banco HSBC ao Harris Institute revela dados interessantes sobre a (falta de) visão que o brasileiro tem do futuro. Entre os 20 países pesquisados, o Brasil é um dos povos que menos poupam para a velhice, que menos fazem cálculos das necessidades futuras e que menos procuram ajuda para isso. Na pesquisa, apenas 24% dos brasileiros disseram já ter guardado dinheiro para a aposentadoria, contra 66% dos norte-americanos e 53% dos ingleses. Enquanto 60% dos habitantes dos Estados Unidos já calcularam suas necessidades futuras, somente 29% dos brasileiros afirmam ter feito o mesmo. Em contrapartida, 52% dos nossos conterrâneos acham que é o governo que deve bancar a aposentadoria entre os norte-americanos, 16% têm a mesma opinião e, no México, esse número cai para 6%.
Os dados acima comprovam uma verdade preocupante e que revela muito sobre nossa alma e nossas precariedades: o Brasil tem uma enorme dificuldade em pensar a longo prazo. Somos umas das sociedades mais imediatistas do planeta, onde o aqui e agora costuma importar muito mais do que o amanhã. Entre o “isto já” ou o “aquilo depois”, quase sempre o brasileiro fica com a primeira opção.
Visão do futuro
Autor do livro O Valor do Amanhã, o economista Eduardo Giannetti apelidou esse comportamento de “miopia temporal”, uma anomalia em que tanto o indivíduo como a sociedade vêem com muita intensidade aquilo que está próximo, mas não conseguem ter a mesma clareza em relação aos seus interesses futuros. Em poucas palavras, temos uma gigantesca incapacidade de cuidar do nosso próprio amanhã. “O Brasil é muito impaciente, é como uma criança que não consegue esperar pelo almoço para ganhar o doce”, afirma Giannetti. “Esse comportamento se reflete em todas as esferas: dos governantes que não apresentam um projeto decente para a educação, algo essencial para as gerações futuras, ao brasileiro de classe média que não quer nem pensar na sua aposentadoria.”
Em seu livro, Giannetti faz uma profunda análise de como o conceito de juros não se restringe apenas ao mundo da economia, podendo ser encontrado tanto numa comunidade de esquilos como no momento exato em que um jovem decide usar drogas. Tudo, segundo ele,obedece à lógica dos juros, em que as ações de hoje têm um impacto positivo ou negativo no futuro, dependendo de nossas escolhas.
“As trocas no tempo são uma via de mão dupla”, escreve o autor. “A posição credora pagar agora, viver depois é aquela em que abrimos mão de algo no presente em prol de algo esperado no futuro. O custo precede o benefício. No outro sentido, temos a posição devedora viver agora, pagar depois. São todas as situações em que valores ou benefícios usufruídos mais cedo acarretam algum tipo de ônus ou custo a ser pago mais à frente. ”Ainda de acordo com Giannetti, essa eterna tensão entre presente e futuro é uma questão que permeia a existência dos seres vivos na Terra, do esquilo que guarda obsessivamente todas as nozes que encontra pela frente, como se sempre esperasse pelo pior, ao jovem drogado que, ao destruir os neurônios por causa da maconha ou cocaína, comete uma “exploração intrapessoal” ou seja, explora o velho que ainda será em prol de um prazer imediato.
O dia seguinte
Com sua miopia temporal, o Brasil afunda-se em juros. Quer tudo para já, como um viciado em crise de abstinência. Aqui há uma tirania da juventude, em que se supervaloriza o novo e o belo em detrimento do velho.A velhice e, por conseqüência, a aposentadoria são para nós um problema que preferimos aprisionar no armário e fazer de conta que não existe.
Obviamente não somos assim por acaso. Nossa história e até nossas características geográficas são alguns dos fatores que contribuíram para que hoje sejamos, por assim dizer, tão infantis. Vivemos em um país quente, onde não há grandes problemas se não pouparmos para o inverno. “Ao contrário da Europa, aqui nunca precisamos ficar guardando para a época de frio, já que as temperaturas não caem muito”, analisa Giannetti. Há que se levar em conta também a escravidão, cujas seqüelas ainda se fazem sentir. Durante séculos, os escravos não tinham direito a sua própria vida e, para eles, não havia amanhã. Pensando na história recente, o longo período de inflação e instabilidade pelo qual passamos décadas atrás deflagrou uma espécie de pavor coletivo do dia seguinte, em que era preciso comprar tudo o mais rápido possível antes que os preços subissem.
Esses e muitos outros fatores ajudam a entender por que temos tanta aversão a planejar nosso próprio futuro. “Ser idoso no Brasil é como estar amaldiçoado. Nos Estados Unidos, por exemplo, eles têm perspectivas para a aposentadoria e sabem que, quando ela chegar, irão para a Flórida ou outro lugar quente curtir a vida”, diz Ruth Lopes, psicóloga e professora do Programa de Gerontologia da PUC-SP,que estuda a velhice. “Já aqui, o melhor que pode acontecer a quem parou de trabalhar é ficar mofando na casa do filho”.
Um país que envelhece
Não pensar no futuro distante quando se vive, com sorte, uns 40 e poucos anos pode ser compreensível. Mas, quando a perspectiva é morrer só bem depois dos 70, a situação muda de figura. Pois é isso que vem ocorrendo no Brasil: estamos envelhecendo cada vez mais. Ou melhor: cada vez mais pessoas morrem mais tarde.
Segundo os dados mais recentes do IBGE, em 1940 a expectativa de vida no Brasil era de 38,5 anos. Em 1980 passou para 60 anos e em 1998 saltou para 68 anos. Em 2003, pulou para 71 anos. Calcula-se que em 2020 irão existir no mundo cerca de 1 bilhão de pessoas com mais de 60 anos, o equivalente à população inteira do planeta no ano de 1820.
“Os avanços da medicina e a ambição da indústria farmacêutica mudaram o curso natural da vida”, afirma Pablo Ruben Mariconda, filósofo e professor de filosofia da USP. “Estamos morrendo mais tarde, mas nem por isso somos mais felizes. Não sabemos muito bem ainda como lidar com nossa própria velhice e com essa nova massa de idosos no mundo.”
Antigamente, o funcionário de uma empresa que se aposentasse aos 47 anos não tinha muito mais tempo de vida e, longe do trabalho, ficava em casa, alimentado seu tédio, sem grandes crises. Hoje uma pessoa que se aposenta com a mesma idade tem grandes chances de viver até uns 80 anos. Ou seja: tem pela frente, no mínimo, mais umas três décadas.É muito tempo para ser vivido de forma precária.
É quase uma obrigação de cada um de nós que esse tempo a mais disponível hoje graças à expectativa de vida maior seja usado para alguma atividade produtiva (uma segunda carreira, um trabalho voluntário, uma atividade artística), ser feliz, se encontrar com outras pessoas e ter uma existência absolutamente tão gratificante quanto a de qualquer outro período da vida.
Por tudo isso, preparar com antecedência o corpo, a mente e, claro, o bolso para a velhice virou pré-requisito básico para quem não quer passar grande parte da vida atrofiado numa poltrona apenas esperando a morte chegar.
Equilíbrio total
Ter 60 anos ou mais hoje é bem diferente do que no passado. Polêmicas à parte, a medicina preventiva e os cosméticos ajudaram as pessoas a envelhecer melhor. Não nos garantiram, é fato, a felicidade, mas nos deram ferramentas para deixar nossos corpos mais preparados para a senescência. Visto por esse ângulo, aposentar-se nos anos 2000 é bem menos sofrido que nos anos de 1940, quando o conceito de qualidade de vida ainda nem havia sido criado.
“Um simples check-up, em qualquer idade, é capaz de detectar um probleminha que, no futuro, poderia se tornar algo grave”, afirma Flávia Campora, médica geriatra do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Tem gente que me procura querendo fórmulas de antienvelhecimento. Já começou errado: não existe nada que breque esse processo. O que se deve buscar é envelhecer bem”.
Ser saudável não é ficar livre de doenças, mas estar em harmonia em vários aspectos da vida. Um aposentado de 70 anos que tem problemas de colesterol, mas se trata com remédios, faz caminhada, curte a família e está bem de cabeça é mais saudável que um empresário estressado de 40 anos que só pensa em trabalhar e não encontra tempo nem para si nem para sua mulher e filhos.
A bilionária indústria cosmética pode criar os cremes mais milagrosos do mundo, mas a melhor receita para chegar com dignidade aos 60, 70, 80 ou 90 anos é uma só: equilíbrio. Alimentar-se com moderação o que não significa só comer aquele franguinho atropelado e salada, mas também ter prazer com aquele bolo de cenoura com chocolate da sua tia que você adora. Fazer sempre exercícios físicos. Mas nada de exageros, pois a rotina de quem se exercita como um atleta sobrecarrega o corpo e faz mal à saúde. Sim, nada de cigarro, bebida ou vícios que destruam o corpo. E, claro, procurar evitar situações de estresse. “Em qualquer idade, uma pessoa pode decidir levar uma vida mais saudável. Sempre há ganhos com isso. Mas sem dúvida tem mais chances de envelhecer melhor quem se cuida desde cedo”, diz a geriatra Flávia.
O comprador José Manuel Pinheira, de 48 anos, faz exercícios desde os 12. Adora esportes e, por causa do hobby, tem um condicionamento melhor do que muito rapaz de 20 e poucos. Participa, sem radicalismos, de competições amadoras, o que lhe ajuda a atenuar os efeitos da pressão no trabalho. “O esporte é um prazer que levarei comigo até o fim da vida. Quando me aposentar, provavelmente não terei mais o mesmo corpo de hoje, mas sei que estarei bem o suficiente para seguir os exercícios no meu ritmo”, conta.
Programe seu futuro
Cuidar do corpo só não basta. Estar atento às finanças é importantíssimo para assegurar uma aposentadoria estável, em especial num país de economia tão imprevisível como o Brasil. Em vez de valorizar a mão-de-obra experiente,o mercado de trabalho cruelmente a rejeita, fechando as portas aos mais velhos. Por isso é essencial fazer um pé-de-meia.
Isso não significa que você tem de virar um esquilo obcecado que só pensa em armazenar nozes. Fazer planos para o futuro não dá esse trabalho todo. Pelo contrário: ajuda a encher nossa vida de motivação. “Planejamento é equilíbrio. É viver bem hoje para viver bem amanhã”, diz o consultor financeiro Gustavo Cerbasi, autor do bestseller Dinheiro - Os Segredos de quem Tem e especialista em mostrar a seus clientes como uma boa estratégia de vida pode render ótimos frutos.
Segundo Cerbasi, os planos para a aposentadoria começam cedo, assim que entramos no mercado de trabalho. A escolha da profissão já é um passo importante: quem é feliz na carreira costuma ter mais dedicação e obtém retorno mais rápido. “Muita gente percebe que não gosta do que está fazendo, mas tem medo de mudar. Quando se é iniciante, normalmente os rendimentos não são aquela maravilha. Perder um pouco agora em prol de algo que vai render mais no futuro é uma decisão sábia”, diz ele. “Quem gosta de sua profissão pode se aposentar, mas ainda se manter cheio de idéias. Pode, por exemplo, virar um consultor de sucesso e ajudar os outros na mesma carreira”.
O caso da chef de cozinha Patrícia Fernandes Turna, de 31 anos, ilustra bem isso. Formada em psicologia, ela resolveu mudar radicalmente de carreira depois de alguns anos cuidando de pacientes. Ouviu seu coração, fechou o consultório e foi fazer faculdade de gastronomia, uma paixão antiga. Hoje é chef de um restaurante em São Paulo e se diz muito mais realizada, em todos os sentidos. “Vou envelhecer mais feliz com minha carreira. Não tinha sentido eu passar anos trabalhando em algo que não me satisfazia plenamente”.
Outra dica de Cerbasi: jamais terminar o mês apenas pagando as contas. O ideal é guardar algum dinheiro sempre no mínimo, 10% dos rendimentos mensais. Respeitar essa decisão deve ser um compromisso muito sério consigo mesmo. Faça um balanço do que entra e sai da sua conta. Imponha algumas regras: se gastou muito com roupas em um mês, procure segurar a onda nos seguintes.
Fazer um plano de previdência privada pode ser interessante, porém o mais importante é aprender a cuidar do seu dinheiro. “Descubra seu talento para lidar com investimentos. Tem gente que prefere apostar em imóveis ou arriscar na Bolsa. Não importa: investir o que se poupa é fundamental”, diz ele.
Cerbasi ainda aponta duas receitas praticamente infalíveis para quem quer começar agora a pensar no futuro: não esqueça seus sonhos e hobbies e tenha uma vida simples. Sabe aquele seu sonho de fazer faculdade de biologia que foi abandonado quando você achou que viveria melhor como administrador? Guarde-o com carinho na sua memória, porque é possível colocá-lo em prática quando você se aposentar. Atividades como tocar um instrumento, aprender uma língua diferente ou mesmo se dedicar a uma ONG podem ser planos deliciosos para uma terceira etapa da vida.
E, acima de tudo, cultive hábitos e prazeres simples. “Se você acha que será feliz somente quando tiver muito dinheiro, lamento dizer que isso é pura ilusão. A felicidade se constrói no dia-a-dia, a cada momento”, escreve Cerbasi em seu livro. Visitar um amigo, dar um beijo numa pessoa querida, fazer uma declaração de amor são atos que não requerem o bolso cheio de verdinhas, mas que podem render bons momentos e grandes recordações para sempre. Se você aprendeu essa lição desde cedo, está muito mais perto de curtir uma aposentadoria bacana do que aquele cara que gasta rios de dinheiro com uma casa na praia que nunca tem tempo de usufruir justamente porque está se matando para manter um nível de vida alto, às vezes distante da realidade.
Adorar a vida
Por tudo isso, fecho esta reportagem com a história de uma pessoa que conheci recentemente: Vito Mariella, um italiano de 71 anos que mora em Nova York.Vito é ciclista há 30 anos e pedala sua bicicleta por duas horas, como um menino, todos os dias num parque perto de casa. Conta piadas sem parar, mesmo quando está pedalando numa subida. Desde que se aposentou, dedica-se à pintura, a segunda paixão de sua vida, depois do ciclismo. Após os treinos, diariamente compra ingredientes frescos para sua mulher preparar almoços especiais. Se ele sente saudades do tempo em que era empresário? “Talvez sim, mas não perco tempo com isso. Diga-me o que sou hoje, não o que fui. Adoro a vida.”
Perguntei a Vito o que ele pensa de aposentadoria. A lista desse septuagenário-moleque só tinha coisas boas: paz, risada, bicicleta, pintura, piadas... Pense nessas palavras nenhuma delas evoca algo sombrio ou temível. Cabe a você decidir qual caminho deve seguir para se tornar uma pessoa mais feliz na velhice ou em qualquer etapa da vida.
Erika Sallum
Fonte: Site Revista Vida Simples
Um estudo recente elaborado pela Universidade de Oxford e encomendado pelo banco HSBC ao Harris Institute revela dados interessantes sobre a (falta de) visão que o brasileiro tem do futuro. Entre os 20 países pesquisados, o Brasil é um dos povos que menos poupam para a velhice, que menos fazem cálculos das necessidades futuras e que menos procuram ajuda para isso. Na pesquisa, apenas 24% dos brasileiros disseram já ter guardado dinheiro para a aposentadoria, contra 66% dos norte-americanos e 53% dos ingleses. Enquanto 60% dos habitantes dos Estados Unidos já calcularam suas necessidades futuras, somente 29% dos brasileiros afirmam ter feito o mesmo. Em contrapartida, 52% dos nossos conterrâneos acham que é o governo que deve bancar a aposentadoria entre os norte-americanos, 16% têm a mesma opinião e, no México, esse número cai para 6%.
Os dados acima comprovam uma verdade preocupante e que revela muito sobre nossa alma e nossas precariedades: o Brasil tem uma enorme dificuldade em pensar a longo prazo. Somos umas das sociedades mais imediatistas do planeta, onde o aqui e agora costuma importar muito mais do que o amanhã. Entre o “isto já” ou o “aquilo depois”, quase sempre o brasileiro fica com a primeira opção.
Visão do futuro
Autor do livro O Valor do Amanhã, o economista Eduardo Giannetti apelidou esse comportamento de “miopia temporal”, uma anomalia em que tanto o indivíduo como a sociedade vêem com muita intensidade aquilo que está próximo, mas não conseguem ter a mesma clareza em relação aos seus interesses futuros. Em poucas palavras, temos uma gigantesca incapacidade de cuidar do nosso próprio amanhã. “O Brasil é muito impaciente, é como uma criança que não consegue esperar pelo almoço para ganhar o doce”, afirma Giannetti. “Esse comportamento se reflete em todas as esferas: dos governantes que não apresentam um projeto decente para a educação, algo essencial para as gerações futuras, ao brasileiro de classe média que não quer nem pensar na sua aposentadoria.”
Em seu livro, Giannetti faz uma profunda análise de como o conceito de juros não se restringe apenas ao mundo da economia, podendo ser encontrado tanto numa comunidade de esquilos como no momento exato em que um jovem decide usar drogas. Tudo, segundo ele,obedece à lógica dos juros, em que as ações de hoje têm um impacto positivo ou negativo no futuro, dependendo de nossas escolhas.
“As trocas no tempo são uma via de mão dupla”, escreve o autor. “A posição credora pagar agora, viver depois é aquela em que abrimos mão de algo no presente em prol de algo esperado no futuro. O custo precede o benefício. No outro sentido, temos a posição devedora viver agora, pagar depois. São todas as situações em que valores ou benefícios usufruídos mais cedo acarretam algum tipo de ônus ou custo a ser pago mais à frente. ”Ainda de acordo com Giannetti, essa eterna tensão entre presente e futuro é uma questão que permeia a existência dos seres vivos na Terra, do esquilo que guarda obsessivamente todas as nozes que encontra pela frente, como se sempre esperasse pelo pior, ao jovem drogado que, ao destruir os neurônios por causa da maconha ou cocaína, comete uma “exploração intrapessoal” ou seja, explora o velho que ainda será em prol de um prazer imediato.
O dia seguinte
Com sua miopia temporal, o Brasil afunda-se em juros. Quer tudo para já, como um viciado em crise de abstinência. Aqui há uma tirania da juventude, em que se supervaloriza o novo e o belo em detrimento do velho.A velhice e, por conseqüência, a aposentadoria são para nós um problema que preferimos aprisionar no armário e fazer de conta que não existe.
Obviamente não somos assim por acaso. Nossa história e até nossas características geográficas são alguns dos fatores que contribuíram para que hoje sejamos, por assim dizer, tão infantis. Vivemos em um país quente, onde não há grandes problemas se não pouparmos para o inverno. “Ao contrário da Europa, aqui nunca precisamos ficar guardando para a época de frio, já que as temperaturas não caem muito”, analisa Giannetti. Há que se levar em conta também a escravidão, cujas seqüelas ainda se fazem sentir. Durante séculos, os escravos não tinham direito a sua própria vida e, para eles, não havia amanhã. Pensando na história recente, o longo período de inflação e instabilidade pelo qual passamos décadas atrás deflagrou uma espécie de pavor coletivo do dia seguinte, em que era preciso comprar tudo o mais rápido possível antes que os preços subissem.
Esses e muitos outros fatores ajudam a entender por que temos tanta aversão a planejar nosso próprio futuro. “Ser idoso no Brasil é como estar amaldiçoado. Nos Estados Unidos, por exemplo, eles têm perspectivas para a aposentadoria e sabem que, quando ela chegar, irão para a Flórida ou outro lugar quente curtir a vida”, diz Ruth Lopes, psicóloga e professora do Programa de Gerontologia da PUC-SP,que estuda a velhice. “Já aqui, o melhor que pode acontecer a quem parou de trabalhar é ficar mofando na casa do filho”.
Um país que envelhece
Não pensar no futuro distante quando se vive, com sorte, uns 40 e poucos anos pode ser compreensível. Mas, quando a perspectiva é morrer só bem depois dos 70, a situação muda de figura. Pois é isso que vem ocorrendo no Brasil: estamos envelhecendo cada vez mais. Ou melhor: cada vez mais pessoas morrem mais tarde.
Segundo os dados mais recentes do IBGE, em 1940 a expectativa de vida no Brasil era de 38,5 anos. Em 1980 passou para 60 anos e em 1998 saltou para 68 anos. Em 2003, pulou para 71 anos. Calcula-se que em 2020 irão existir no mundo cerca de 1 bilhão de pessoas com mais de 60 anos, o equivalente à população inteira do planeta no ano de 1820.
“Os avanços da medicina e a ambição da indústria farmacêutica mudaram o curso natural da vida”, afirma Pablo Ruben Mariconda, filósofo e professor de filosofia da USP. “Estamos morrendo mais tarde, mas nem por isso somos mais felizes. Não sabemos muito bem ainda como lidar com nossa própria velhice e com essa nova massa de idosos no mundo.”
Antigamente, o funcionário de uma empresa que se aposentasse aos 47 anos não tinha muito mais tempo de vida e, longe do trabalho, ficava em casa, alimentado seu tédio, sem grandes crises. Hoje uma pessoa que se aposenta com a mesma idade tem grandes chances de viver até uns 80 anos. Ou seja: tem pela frente, no mínimo, mais umas três décadas.É muito tempo para ser vivido de forma precária.
É quase uma obrigação de cada um de nós que esse tempo a mais disponível hoje graças à expectativa de vida maior seja usado para alguma atividade produtiva (uma segunda carreira, um trabalho voluntário, uma atividade artística), ser feliz, se encontrar com outras pessoas e ter uma existência absolutamente tão gratificante quanto a de qualquer outro período da vida.
Por tudo isso, preparar com antecedência o corpo, a mente e, claro, o bolso para a velhice virou pré-requisito básico para quem não quer passar grande parte da vida atrofiado numa poltrona apenas esperando a morte chegar.
Equilíbrio total
Ter 60 anos ou mais hoje é bem diferente do que no passado. Polêmicas à parte, a medicina preventiva e os cosméticos ajudaram as pessoas a envelhecer melhor. Não nos garantiram, é fato, a felicidade, mas nos deram ferramentas para deixar nossos corpos mais preparados para a senescência. Visto por esse ângulo, aposentar-se nos anos 2000 é bem menos sofrido que nos anos de 1940, quando o conceito de qualidade de vida ainda nem havia sido criado.
“Um simples check-up, em qualquer idade, é capaz de detectar um probleminha que, no futuro, poderia se tornar algo grave”, afirma Flávia Campora, médica geriatra do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Tem gente que me procura querendo fórmulas de antienvelhecimento. Já começou errado: não existe nada que breque esse processo. O que se deve buscar é envelhecer bem”.
Ser saudável não é ficar livre de doenças, mas estar em harmonia em vários aspectos da vida. Um aposentado de 70 anos que tem problemas de colesterol, mas se trata com remédios, faz caminhada, curte a família e está bem de cabeça é mais saudável que um empresário estressado de 40 anos que só pensa em trabalhar e não encontra tempo nem para si nem para sua mulher e filhos.
A bilionária indústria cosmética pode criar os cremes mais milagrosos do mundo, mas a melhor receita para chegar com dignidade aos 60, 70, 80 ou 90 anos é uma só: equilíbrio. Alimentar-se com moderação o que não significa só comer aquele franguinho atropelado e salada, mas também ter prazer com aquele bolo de cenoura com chocolate da sua tia que você adora. Fazer sempre exercícios físicos. Mas nada de exageros, pois a rotina de quem se exercita como um atleta sobrecarrega o corpo e faz mal à saúde. Sim, nada de cigarro, bebida ou vícios que destruam o corpo. E, claro, procurar evitar situações de estresse. “Em qualquer idade, uma pessoa pode decidir levar uma vida mais saudável. Sempre há ganhos com isso. Mas sem dúvida tem mais chances de envelhecer melhor quem se cuida desde cedo”, diz a geriatra Flávia.
O comprador José Manuel Pinheira, de 48 anos, faz exercícios desde os 12. Adora esportes e, por causa do hobby, tem um condicionamento melhor do que muito rapaz de 20 e poucos. Participa, sem radicalismos, de competições amadoras, o que lhe ajuda a atenuar os efeitos da pressão no trabalho. “O esporte é um prazer que levarei comigo até o fim da vida. Quando me aposentar, provavelmente não terei mais o mesmo corpo de hoje, mas sei que estarei bem o suficiente para seguir os exercícios no meu ritmo”, conta.
Programe seu futuro
Cuidar do corpo só não basta. Estar atento às finanças é importantíssimo para assegurar uma aposentadoria estável, em especial num país de economia tão imprevisível como o Brasil. Em vez de valorizar a mão-de-obra experiente,o mercado de trabalho cruelmente a rejeita, fechando as portas aos mais velhos. Por isso é essencial fazer um pé-de-meia.
Isso não significa que você tem de virar um esquilo obcecado que só pensa em armazenar nozes. Fazer planos para o futuro não dá esse trabalho todo. Pelo contrário: ajuda a encher nossa vida de motivação. “Planejamento é equilíbrio. É viver bem hoje para viver bem amanhã”, diz o consultor financeiro Gustavo Cerbasi, autor do bestseller Dinheiro - Os Segredos de quem Tem e especialista em mostrar a seus clientes como uma boa estratégia de vida pode render ótimos frutos.
Segundo Cerbasi, os planos para a aposentadoria começam cedo, assim que entramos no mercado de trabalho. A escolha da profissão já é um passo importante: quem é feliz na carreira costuma ter mais dedicação e obtém retorno mais rápido. “Muita gente percebe que não gosta do que está fazendo, mas tem medo de mudar. Quando se é iniciante, normalmente os rendimentos não são aquela maravilha. Perder um pouco agora em prol de algo que vai render mais no futuro é uma decisão sábia”, diz ele. “Quem gosta de sua profissão pode se aposentar, mas ainda se manter cheio de idéias. Pode, por exemplo, virar um consultor de sucesso e ajudar os outros na mesma carreira”.
O caso da chef de cozinha Patrícia Fernandes Turna, de 31 anos, ilustra bem isso. Formada em psicologia, ela resolveu mudar radicalmente de carreira depois de alguns anos cuidando de pacientes. Ouviu seu coração, fechou o consultório e foi fazer faculdade de gastronomia, uma paixão antiga. Hoje é chef de um restaurante em São Paulo e se diz muito mais realizada, em todos os sentidos. “Vou envelhecer mais feliz com minha carreira. Não tinha sentido eu passar anos trabalhando em algo que não me satisfazia plenamente”.
Outra dica de Cerbasi: jamais terminar o mês apenas pagando as contas. O ideal é guardar algum dinheiro sempre no mínimo, 10% dos rendimentos mensais. Respeitar essa decisão deve ser um compromisso muito sério consigo mesmo. Faça um balanço do que entra e sai da sua conta. Imponha algumas regras: se gastou muito com roupas em um mês, procure segurar a onda nos seguintes.
Fazer um plano de previdência privada pode ser interessante, porém o mais importante é aprender a cuidar do seu dinheiro. “Descubra seu talento para lidar com investimentos. Tem gente que prefere apostar em imóveis ou arriscar na Bolsa. Não importa: investir o que se poupa é fundamental”, diz ele.
Cerbasi ainda aponta duas receitas praticamente infalíveis para quem quer começar agora a pensar no futuro: não esqueça seus sonhos e hobbies e tenha uma vida simples. Sabe aquele seu sonho de fazer faculdade de biologia que foi abandonado quando você achou que viveria melhor como administrador? Guarde-o com carinho na sua memória, porque é possível colocá-lo em prática quando você se aposentar. Atividades como tocar um instrumento, aprender uma língua diferente ou mesmo se dedicar a uma ONG podem ser planos deliciosos para uma terceira etapa da vida.
E, acima de tudo, cultive hábitos e prazeres simples. “Se você acha que será feliz somente quando tiver muito dinheiro, lamento dizer que isso é pura ilusão. A felicidade se constrói no dia-a-dia, a cada momento”, escreve Cerbasi em seu livro. Visitar um amigo, dar um beijo numa pessoa querida, fazer uma declaração de amor são atos que não requerem o bolso cheio de verdinhas, mas que podem render bons momentos e grandes recordações para sempre. Se você aprendeu essa lição desde cedo, está muito mais perto de curtir uma aposentadoria bacana do que aquele cara que gasta rios de dinheiro com uma casa na praia que nunca tem tempo de usufruir justamente porque está se matando para manter um nível de vida alto, às vezes distante da realidade.
Adorar a vida
Por tudo isso, fecho esta reportagem com a história de uma pessoa que conheci recentemente: Vito Mariella, um italiano de 71 anos que mora em Nova York.Vito é ciclista há 30 anos e pedala sua bicicleta por duas horas, como um menino, todos os dias num parque perto de casa. Conta piadas sem parar, mesmo quando está pedalando numa subida. Desde que se aposentou, dedica-se à pintura, a segunda paixão de sua vida, depois do ciclismo. Após os treinos, diariamente compra ingredientes frescos para sua mulher preparar almoços especiais. Se ele sente saudades do tempo em que era empresário? “Talvez sim, mas não perco tempo com isso. Diga-me o que sou hoje, não o que fui. Adoro a vida.”
Perguntei a Vito o que ele pensa de aposentadoria. A lista desse septuagenário-moleque só tinha coisas boas: paz, risada, bicicleta, pintura, piadas... Pense nessas palavras nenhuma delas evoca algo sombrio ou temível. Cabe a você decidir qual caminho deve seguir para se tornar uma pessoa mais feliz na velhice ou em qualquer etapa da vida.
Erika Sallum
Fonte: Site Revista Vida Simples
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